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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O nosso ninho


Domingo de manhã. Estamos na chácara de um casal de amigos. O sábado foi longo e terminou às 4 da manhã já do domingo, quando todos, finalmente, se recolheram. Eu sabia que o domingo não seria fácil. A Alice iria acordar cedo, com certeza. E, eu teria que acordar enquanto todos estariam dormindo e ficar com ela. E assim foi. Domingo, às 8:23, ela acordou, não me restou outra alternativa: levantar antes que o pequeno furacão acordasse a todos. O marido muito solidário levantou também.
Fomos para a cozinha, ele fez fogo no fogão à lenha, trocou a fralda, eu preparei a frutinha e ele me disse que estava com muito sono. Eu já imaginava. “Vai dormir, vai, eu dou um jeito aqui”. Passaram cinco minutos, ele sumiu.
Então, restamos nós duas. Eu, morrendo de sono e ela a mil por hora. Meu pequeno tsunami. Por sorte divina, a chuvinha parou. Pelo menos, dava para andar lá fora. E lá fomos nós. Ela no meu colo porque o chão estava todo molhado. No ar, resplandecia o cheiro de mato e terra molhados. Gostoso! A trilha sonora era um barulho de mato. (Para quem não tem a felicidade de conhecer esse barulho, vou tentar descrever. É uma mistura de barulho de água corrente, com grilos e outros bichos que não sei quais são, então, se escuta um passarinho cantando, outro batendo as asas. Lá no fundo, dá pra ouvir os latidos de um cachorro, às vezes, uma vaca, um galo. Aí, bate um ventinho que mexe as folhas e os galhos das árvores. Esse é barulho do mato. Um barulho bom de escutar, tranquiliza, relaxa e nos hipnotiza. Mas, você precisa parar para ouvi-lo. Precisa ficar em silêncio e prestar atenção, não pode ficar pensando em um monte de coisa pra fazer e compromissos pra ontem ou andar com pressa. Exige-se silêncio e atenção. Vale a pena.).
A Alice no meu colo, eu disse “Alice, escuta o barulho”. Ela parou na hora, franziu a testinha, olhou em frente com cara de concentrada e preocupada, ensaiou um biquinho (acho um sarro quando ela faz essa cara) e ficou escutando. Olhava para mim, murmurava alguma coisa na língua de bebê, erguia o dedinho indicador como se quisesse dizer “presta atenção” e continuava escutando. Ela já conhece o barulho do mato. Quase todo dia, escutamos a orquestra de sapo na lagoa em frente de casa. Ao entardecer, quando o sol está quase sumindo, eles começam. Cantam muito e alto. Dá pra escutar plenamente. E ela sabe e escuta.
Enfim, fomos andando, escutando o barulho, e olhando tudo. Ultimamente, ela tem mostrado que é apaixonada por flores. Aquelas florezinhas amarelas que dão no meio da grama e aquelas de assoprar são as preferidas. Mas, no geral, ela gosta de todas. Pára para olhar, aponta, fala um monte de coisa na língua dos bebês. Fica muito contente.
Outra paixão: água. A primeira palavra que ela aprendeu a falar: “áca”, que virou “áqua” e, por fim, “água”, tem algumas variações, como “aguo”, dependendo do dia. Também foi uma das primeiras coisas que ela experimentou além do leite materno. É sua palavra favorita. ÁGUA. E sua bebida predileta também. Quando quer dizer alguma coisa e não sabe, “água”. Se quer dizer que está chovendo, “água”. Se estou tomando qualquer coisa (café, chá, suco), ela aponta e diz “água”. Então, imagina ela em um lugar com muita água. Ela fica louca. Falou “água” umas trezentas milhões de vezes. Uma pequena réplica da nossa conversa:
- água
- viu filha, quanta água
- água
- viu só, muita água né?
- água
- a Alice gosta de água?
- água
- vamos sentar um pouquinho?
- água
E assim foi grande parte da nossa conversa. Em alguns momentos, ela falava outras palavrinhas que também já sabe, tipo “coco”. Isso mesmo, essa palavra ela sempre fala. Tenho uma teoria, que quando ela diz “coco”, quer dizer que fez xixi ou coco. Para o coco, funciona. Ela faz e avisa, mas acho que ela usa a mesma palavra para o xixi. Aí vira conversa de louco:
- coco
- fez xixi, filha?
- coco
- xixizinho, né filha?
- coco
- fala com a mamãe: xi-xi
- coco
E assim vai...
Tem outras tantas palavras, mas não falarei sobre isso agora. Quero terminar de contar sobre nosso passeio pelo mato. Andamos, andamos, vimos os passarinhos, cantamos baixinho, ficamos em silêncio... e assim passou a manhã inteira. Meu sono desapareceu e valeu muito a pena curtir com ela esses momentos. Quando chegamos em casa de novo, todos dormindo ainda. Aí, ela também já estava cansada, mamou um pouquinho e soninho. Deitei em um colchão de solteiro com ela no chão e fiquei ali, sentindo ela dormir. Não demorou muito, chegou o papaizinho e deitou do outro lado. A Alice ficou no meio. Imagina a cena: os três espremidos em um colchão de solteiro no chão, enquanto isso, do lado, tinha uma cama de casal. Mas, é que a gente se aninhou tão gostoso, que valeu a pena.
Meu sono foi embora, ficou a sensação de bem estar.


*****


Para fechar, gostaria de trazer uma reflexão que caiu como uma luva. Dia desses, eu assisti uma palestra com o pediatra espanhol Carlos Gonzalez. É uma palestra cumprida (2h:40min). Na verdade, eu demorei uma semana para assistir tudo. Foi muito legal, principalmente porque eu tinha acabado de ler o livro “Bésame mucho” escrito por ele (inclusive, devo agradecer a minha amiga Ligia, que me deu uma cópia em PDF. Uma grande amizade unida pelo desejo de estudar no CEFET PR, em 1999, afastada pelo tempo e pela distância e, agora, reencontrada graças ao Facebook e a um tesouro que temos em comum: filhos).
Muitas coisas do livro, ele fala durante a conferência, mas muitas outras, não estavam no livro.
Bem, um dos pontos que mais me chamou a atenção foi uma comparação que o pediatra fez: ele mostrou uma foto de uma família de gorilas, os três deitados juntos. Então, ele diz mais ou menos assim:
“Os gorilas têm a selva toda para dormir, eles podem escolher qualquer lugar, podem alojar-se confortavelmente onde queiram, podem deitar cada um em um lugar separado e aproveitar o espaço para mover-se o quanto desejarem. Mas, eles escolhem dormir todos juntos em um espaço que ocupa menos de 1m2”.
E, nós, como vivemos em família? Cada um em seu quarto, com sua TV, com seu celular super ultra mega top, dentro do seu carro, pensando em seus assuntos. Não estou dizendo que devemos dormir como gorilas, apertados em um espaço mínimo, e andar juntos a todas as partes. Quero dizer que, em geral, impomos regras baseadas em padrões estabelecidos completamente contra o nosso real desejo. Que mãe não gosta de dormir junto do seu filho? Qual é o problema de dividir a cama com os filhos? Eu dividi a cama com a minha mãe durante muito tempo e só tenho ótimas lembranças disso.

Porque nos dizem incansavelmente que devemos isolar um bebê de meses em um quarto separado do nosso? Nos dão babás eletrônicas (com áudio e vídeo) para que possamos dormir tranquilos e, quando dizemos: “mas, ele é tão pequenininho para ficar sozinho...”, nos olham com uma cara de sarcasmo “ai mãe, vc não pode fazer isso... tem que deixar seu bebê chorar, é para o bem dele” e, se fizermos o contrário, escutamos coisas do tipo: “vai acostumar mal”. Quer saber? acostumar mal o caramba!!!! Desde quando carinho e cafuné acostumam mal? Desde quando respeitar as necessidade de um bebê e atender o seu choro podem acostumar mal?

http://www.wwf.es/que_hacemos/especies/especies_prioritarias/gorila_de_montana/


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